Eu não viralizo porque levo quatro meses sem escrever o newsletter, porque não escrevo para falar da ‘trend” do momento. Eu não viralizo porque escrevo quando sinto aquela comichão que começa na alma, sobe para a mente e desce para os dedos.
No sábado passado fui ao cinema com minha filha de 14 anos, com direito a pipoca e sala cheia. Fomos assistir Divertida Mente 2, que é mais complexo e reflexivo que o filme anterior, mas ainda divertido. Contudo, engana-se que é um filme apenas para crianças ou adolescentes se divertirem com as aventuras das “emoções personificadas” que integram a “mente” da garotinha Riley, que inicialmente é guiada pela Alegria, que coexiste com outros sentimentos fundamentais na estruturação psicológica. como Tristeza, Nojo, Medo e Raiva. Mas eis que chega a adolescência com toda sua turbulência e sua montanha-russa de emoções, e novos personagens entram em cena: Ansiedade, Vergonha, Inveja e Tédio. Esses novos sentimentos são também importantes ao longo do filme, mas é a ansiedade que domina Riley e é o motivo deste newsletter.
Não creio que pais de adolescentes me perguntarão por quê? Eles assim como eu sabem que a adolescência e a ansiedade estão cada mais juntas, levando a uma geração de crianças, adolescentes e jovens que sofrem com esse transtorno, inclusive superando o número de adultos com esse diagnóstico. Dados publicados na Folha de São Paulo em 31 de maio de 2024 demonstraram que a taxa do transtorno de ansiedade entre indivíduos de 10 a 14 anos é 125,8 a cada100 mil e de 157 a cada 100 mil entre adolescentes e 112,5 a cada 100 mil para jovens maiores de 20 anos, com dados coletados em 2023. De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), as condições de saúde mental são responsáveis por 16% da carga global de doenças e lesões em pessoas entre 10 e 19 anos. Além disso, em todo o mundo, a ansiedade é a 8ª principal causa de doença e incapacidade entre todos os adolescentes.
A adolescência abre portas para o desenvolvimento da ansiedade. Segundo psiquiatra Elton Kanomata, do Hospital Israelita Albert Einstein, durante a adolescência, existe uma “expansão do mundo” visto até então na infância, fazendo com que o adolescente entre em contato com novas situações e pessoas. Além disso, é um marco para importantes mudanças sociais e do próprio corpo. De acordo Kanomata “isso tudo pode levar ao aumento da ansiedade diante do desconhecido, insegurança relacionada a competências e reações diante de ameaças abstratas e situações sociais”.
È importante contudo não demonizar totalmente a ansiedade. Na maioria das vezes, a ansiedade é uma reação normal que, apesar de ser incômoda, é adaptativa e de curta duração, segundo o psiquiatra. No entanto, quando a emoção se torna intensa e desproporcional ao contexto, pode levar a reações inapropriadas e causar sofrimento, prejuízo e comprometimentos funcionais, podendo ser caracterizada como ansiedade patológica. Alguns sintomas podem sugerir ansiedade patológica e é importante que os pais de adolescentes possam reconhecer quando a ansiedade adaptativa da adolescência está se tornando um adoecimento psíquico, emocional que apresenta sintomas físicos como:tontura ou sensação de desmaio, náuseas e vômitos, nervosismo, dificuldade de concentração, preocupação excessiva, dor de barriga, podendo causar diarreia, sensação de que algo ruim vai acontecer, tensão muscular, causando dor nas costas, descontrole sobre os próprios pensamentos, irritabilidade e dificuldade para dormir.
No filme Divertida Mente 2, vemos cenas em que adolescente Riley apresenta episódios de ansiedade e a Ansiedade domina totalmente suas outras emoções. Em uma sequência em que a Ansiedade está totalmente no “comando”, Riley apresenta praticamente um “ataque de pânico” que nada mais é do que um “curto circuito” no cérebro gerado pela ansiedade. Nesses casos, a pessoa entra em um estado tão grande de ansiedade que ela tem a sensação real de que está prestes a morrer. Isso se reflete fisicamente através de: aumento da frequência cardíaca, dor no peito, dormência nos braços e pescoço, tremores, suor frio. Mais uma vez o filme Pixar foi feliz ao mostrar de forma clara o momento que Riley tem um ataque de pânico, e os espectadores podem ouvir o ritmo acelerado do coração da garotinha. Simbolicamente, no “painel do controle das emoções”, a ansiedade está totalmente “descontrolada”, sem chance para que outros sentimentos possam modificar aquela situação. Essas cenas no filme não foram muito confortáveis de se ver e acredito é uma oportunidade para chamar atenção para os danos da ansiedade patológica. Felizmente, depois de muita “luta” e até solidariedade entre “a Tristeza e Alegria”, as outras emoções em conjunto buscam “calar” a Ansiedade e é maravilhoso de ver a Alegria resgatar Riley daquele sofrimento.
A Ansiedade do filme DIVERTIDA MENTE 2
Jovem em ataque de pânico
A ansiedade é uma emoção real e útil, desde que na medida certa. Para Dra. Lisa Damour, psicóloga da Clínica Ohio, consultora para construção das emoções no filme da Pixar, “a ansiedade é valiosa para os adolescentes se faz coisas como ajudá-los a começar a estudar para uma prova para a qual não estudaram”, por exemplo. A ansiedade está lá para nos ajudar a corrigir o curso, para nos ajudar a antecipar problemas ou ameaças.” Ainda acrescenta que “quando estamos ajudando as pessoas a gerenciar a ansiedade clinicamente, não estamos realmente tentando nos livrar da ansiedade delas. Estamos tentando reduzi-la ao nível certo.”
Eu sou mãe de três adolescentes, e posso dizer que todos três, em graus diferentes, já passaram por quadros de ansiedade. E como tenho a consciência que saúde psíquica e mental são assuntos sérios e que necessitam de acompanhamento adequado. Meus filhos foram encaminhados para profissionais com expertise para o assunto e quando foi necessário, foram medicados. Eu, embora seja cardiologista, não tenho conhecimento para conduzir situações tão específicas.
Outro aspecto importante, é manter o carinho e a conexão com a criança enquanto mantém firmes seus limites. Também é importante conversar sobre sentimentos, permitir que seu adolescente fale da intensidade dos seus sentimentos, explicar que esse sentir profundamente faz parte dessa fase da vida, e sobretudo deixar claro que você está atento e pronto para ajudá-lo a lidar com esses sentimentos.
Para Dra. Lisa Damour “assim que você fala sobre um sentimento, ele diminui de tamanho”. “Você não precisa ser capaz de resolver o problema. Você precisa ser capaz de falar sobre ele.”
Eu, como escritora, me valho da frase Hannah Arendt e digo “toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história”.
Divertida Mente 2 contou uma história para ajudar muitos adolescentes a suportarem e entenderem suas dores.
Sempre lúcida, sensível e cheia de empatia no que escreve e pra quem escreve!
Excelente newsletter. Nas últimas semanas houve um grande "debate" aqui no Substack sobre as newsletters precisarem ser profissionais ou não e o tanto de ansiedade que essas exigências das redes sociais causam nas pessoas